André França
Houses and Time




As fotografias desta série foram feitas na minha cidade natal, Canavieiras (BA), em 2004. Durante várias décadas do século XX, Canavieiras foi um importante produtor de cacau, o que mantinha saudáveis a cultura e a economia da cidade. Em meados dos anos 1980, no entanto, a cultura cacaueira entrou em declínio devido a uma praga biológica; isso afetou fortemente a economia da cidade e os anos seguintes viram uma transformação de sua paisagem urbana, marcada pela decadência de várias casas - muitas colocadas à venda, outras aparentemente abandonadas. Mesmo não ocorrendo em toda a cidade, o alcance deste fenômeno foi suficiente para modificar a sua atmosfera, que passou a exibir as marcas da estagnação. Em um contexto como esse, observamos um invulgar aceleramento dos efeitos da passagem do tempo sobre as coisas que nos são próximas e caras. Esta série se detém então sobre este fenômeno, com ênfase em algumas casas da cidade, suas fachadas e às vezes espaços interiores. Realizada vinte anos após a minha saída da cidade (para prosseguimento de estudos em Salvador), a série, um ensaio sobre a desagregação, a transformação, o desaparecimento, põe em movimento as minhas lembranças e vivências de infância, confrontadas com os destinos que traz a realidade.

- André França

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"Utilizando um termo celebrizado por Barthes, diria que o punctum dessas fotografias está em seu uso peculiar da figura humana. Tal afirmação pode causar estranheza: afinal, é óbvio que não há ninguém nessas fotos, que são todas registros de espaços vazios, casas velhas, lugares abandonados. Mas também é óbvio que ali, onde não está ninguém, já esteve alguém: alguém entrou por uma porta, exausto ao fim de uma jornada de trabalho; alguém se debruçou em uma janela, observando casualmente o movimento dos passantes; alguém se sentou em um sofá e, noite adentro, esperou ansioso. Há o que sorriu, o que temeu, a que desejou, a que sentiu calor, os que celebraram, os que mentiram e os que guardaram segredo: todos estão aqui, nessas fotografias, e exibem aquilo que restará de todos nós no futuro: alguns vestígios erráticos, palavras semilegíveis em um palimpsesto caótico e o esboço de narrativas incompletas."

- Antonio Marcos Pereira, Crítico de literatura e Professor da Universidade Federal da Bahia.

[Veja as fotografias]